segunda-feira, 17 de setembro de 2007

A teoria funcionalista

O funcionalismo

A abordagem funcionalista marca não apenas os estudos sobre a comunicação. Ela é uma forma de “fazer ciência” que, embora atualmente criticada, ainda permeia as ciências humanas.

Trata-se de um modo de enxergar o objeto de estudo, perguntando-se sobre suas funções. É possível, por exemplo, questionar a função social de um programa como o Big Brother Brasil ou até, mais especificamente, a função da MTV no panorama da indústria de entretenimento.

O texto escolhido foi escrito por dois dos principais autores do funcionalismo em comunicação: Lazarsfeld e Merton, em 1948.

Os autores partem da constatação de que as sociedades em geral e os acadêmicos, em particular, encontravam-se (já no alvorecer dos anos 50 do século passado), preocupados com os efeitos sociais dos meios de comunicação de massa, que começavam a despontar como o grande fenômeno da comunicação do século XX.

Publicidade e propaganda

Em todo o texto, há uma pequena distinção conceitual que merece ser esclarecida: a diferença entre publicidade e propaganda. Publicidade é o termo usado para designar as mensagens de massa destinadas a promover um determinado produto. Seu objetivo direto é a promoção de vendas. Já propaganda é utilizada para divulgar idéias. Está normalmente associada à manipulação da “massa”. Seu objetivo direto é moldar o comportamento e a opinião das pessoas.

Lazarsfeld e Merton chamam a atenção para o fato de que a sociedade americana está assustada com os possíveis efeitos negativos da comunicação de massa. Eles detectam a crença de que a comunicação seria uma espécie de “poder incontrolável”, modificando a cultura americana pára pior. Essa crença fundamenta, por exemplo, as teorias hipodérmicas da comunicação.

Da mesma forma que a abordagem empírico-experimental, o trabalho dos autores destina-se a relativizar essa crença. Mas, enquanto a abordagem empírico-experimental tem uma base psicológica, Lazarsfeld e Merton constroem suas idéias com base na sociologia. Não estão preocupados com as “resistências individuais”, mas os efeitos sociais mais genéricos dos meios de massa.

Eles detectam três “temores” em relação à comunicação de massa:

1) Um terror “abstrato” provocado pela onipresença dos meios de comunicação. Lembremos que a Indústria cultural ainda estava em seu alvorecer e a maior parte das pessoas temia pelos seus desdobramentos por não conhecer os efeitos dessa nova “tecnologia social”: a lembrança mais recente era o nazismo.

2) A formação de uma sociedade conformista, manipulável pelo poder

Eles partem da constatação de que os “poderosos” do mundo inteiro mudaram de estratégia: da dominação simples e direta (por vezes violenta), a comunicação de massa tem permitido a mudança para formas de controle mais sutis:

“O poder econômico parece ter reduzido a exploração direta, voltando-se para um padrão mais refinado de exploração psicológica que se concretizou, m grande parte, pela disseminação de propaganda através dos meios de comunicação de massa”. (p. 231).

3) A deterioração do gosto estético e da cultura popular: aqui vemos a tese de Adorno, na qual a cultura de massa é uma forma intermediária entre a popular e a “alta cultura”, mas que determina o empobrecimento de ambas pela simplificação.

Para compreender melhor o problema e questionar a validade de tais temores, Lazarsfeld e Merton propõe uma reflexão sobre o papel social do meios de comunicação em dois momentos:

1) O papel dos meios de comunicação “pelo simples fato de existirem”, ou seja, independentemente de sua estrutura interna (relações de propriedade).

2) O papel dos meios de comunicação no contexto concreto das relações de propriedade nos EUA.

As funções dos meios de comunicação em si:

a) atribuição de status

Os meios de comunicação criam e reforçam os status sociais de questões públicas, pessoas, organizações e movimentos sociais. Reparem que há uma forma de auto-reforço: ao mostrar uma entrevista com um especialistas, a TV (e o jornal reconhecem o status dessa pessoa (“Fulano é importante, por isso o trouxemos aqui”), ao mesmo tempo em que reforça esse status (“Fulano é importante por que apareceu na TV”).

b) execução de normas sociais

Aqui vemos uma idéia comum à teoria dos campos sociais. Os meios de comunicação têm a função de tornar públicos comportamentos privados. Aquilo que é “mais ou menos” aceito na vida particular pode causar constrangimentos na esfera pública e, desta forma, os meios de comunicação de massa acabam regulando o cumprimento das “normas sociais”, punindo os comportamentos desviantes.

Como vimos antes, o campo dos mídia atua como uma interface entre os diversos campos autônomos da modernidade, trazendo-os para a esfera pública onde lutam por legitimidade.

c) A disfunção narcotizante

ESSE É O TERMO MAIS FAMOSOS CRIADO PELOS AUTORES. Ao invés de uma “função” social, os meios de comunicação também possuem uma “disfunção”: eles colaboram para a inércia e a apatia das massas, impedindo-as de uma ação política efetiva. A INFORMAÇÃO NÃO SE CONVERTE EM AÇÃO.

Cada vez mais, as pessoas têm acesso a tudo o que se passa na esfera pública local e global, mas esse conhecimento é sempre superficial, fragmentado e não funciona como suporte para a tomada de decisões que efetivamente intervenham na vida pública.

As funções dos meios de comunicação, no panorama das relações de propriedade e operação:

Os meios de comunicação não são instituições plenamente autônomas. Eles dependem, entre outros fatores, de legislações e formas de propriedade. Teoricamente, implicam efeitos diversos se forem públicos ou privados. No caso do Brasil, existe a “concessão” para as ondas eletromagnéticas, mas qualquer pessoa pode ter um jornal, uma editora, uma gravadora. Aqui, predominam na mídia impressa as empresas familiares, regidas por uma lógica diferente das grandes corporações.

O texto trata exclusivamente dos meios de comunicação de propriedade privada, chamando a atenção para o fato que, nesse ambiente, seu maior objetivo é sempre o mesmo: o lucro. Assim, eles cumprem 3 funções:

a) Conformismo social

Os meios de comunicação de massa sobrevivem graças ao capitalismo e, portanto, colaboram sempre para a perpetuação das relações capitalistas. Por serem propriedade privada, enaltecem a propriedade privada. Por serem os porta-vozes da “opinião pública”, defendem a “liberdade de imprensa” como uma garantia democrática.

Mesmo que, eventualmente, divulguem críticas à organização social e econômica da sociedade o fazem apenas dentro de limites toleráveis, que não chegam a arranhar seus próprios interesses.

b) Impacto sobre o gosto popular

Os meios de comunicação em massa, para obter lucro, têm que atingir sempre o maior número possível de pessoas. Sobrevivem graças à economia de escala, ou seja, graças aos números de audiência que pagam pelos seus produtos e são oferecidos como moeda de troca aos anunciantes. Assim, são obrigados a promover uma simplificação de seus conteúdos a fim de serem compreendidos e aceitos pelo “cidadão médio” (medíocre).

Aqui há um problema importante: apesar da simplificação, é difícil supor que os MCM degradem o gosto estético. Isso porque o “gosto estético refinado” sempre foi o privilégio de uma elite intelectual. Ele só se manteve “refinado” porque não era acessível a um grande contingente de pessoas. A maior parte das pessoas, mesmo que tenham alguma educação formal, não é culta. Portanto

“Enquanto antes a elite constituía virtualmente todo o público, atualmente, o nível médio dos padrões estéticos e dos gostos do público sofreu uma queda, apesar de os gostos de algus setores da população terem-se, com certeza, elvado e tenha aumentado bastante o número total de pessoas submetidas aos conteúdos veiculados por esses meios”. (p. 245)

As grandes massas rejeitam a chamada “arte erudita”. Os meios de comunicação sabem disso e focam no lazer e no entretenimento fácil, a fim de obter altas audiências.

PERGUNTA: Os meios de comunicação têm uma função “pedagógica”?

A propaganda com objetivos sociais

A disfunção narcotizante em particular e os demais efeitos dos meios de comunicação implicam um paradoxo: como a quantidade de informação pode aumentar e isso ainda assim implicar o conformismo?

Buscando explicar esse ponto, os autores constroem uma teoria sobre as condições em que a comunicação de massa consegue efetivamente criar um “agir”, como no caso do nazismo. Seu objetivo é saber se é possível usar a comunicação para finalidades sociais.

É bom lembrar que os estudos desta época ainda estavam “de olho” na descoberta de leis para a construção de mensagens “eficientes”, ou seja, que possibilitassem uma transmissão de mensagens na qual os interesses do emissor se vissem preservados na recepção.

As condições são 3:

a) Monopolização:

As mensagens da comunicação de massa possuem maior efeito se não há uma “contra-propaganda”, ou seja, se elas atingem o público com um sentido unitário, sem contestações. Isso é fácil de ser visto em sociedades autoritárias, como no nazismo e nos países socialistas. Mas, e numa sociedade de mercado?

Da mesma forma são construídos “consensos”. Os meios de comunicação, com pouquíssima oposição, criam idéias dominantes (hegemônicas), tais como “o valor do trabalho”, “riqueza é felicidade”, “Política é uma coisa suja”, além de idéias dominantes como “a sociedade de mercado é inescapável”, o “mito da globalização”. Usam esse “monopólio” para garantir sua própria permanência, fazendo crer na “liberdade de imprensa”, na “necessidade do jornalismo para a opinião pública” etc.

b) Canalização

Os meios de comunicação têm dificuldade de transformar hábitos já arraigados e substituí-los por novos (por exemplo, as campanhas para o uso de preservativos), mas têm relativa facilidade de “canalizar” hábitos antigos para novos objetivos. Se um país tem uma tradição militar, por exemplo, é difícil convencê-lo a adotar uma visão pacifista, mas é fácil canalizar essa tendência para novos “inimigos”: hoje a União Soviética, amanhã o Iraque. O Brasil já teve uma guerra contra a inflação, que hoje se transforma em uma guerra contra os juros altos mas, no fundo, é a mesma visão hegemônica de que os problemas do país se resolvem pela economia.

c) Suplementação

Os MCM são mais eficientes quando suplementados por estratégias “interpessoais”. As mensagens globais são reforçadas por ações locais, “corpo-a-corpo”. As pessoas vão se interessar mais pelo novo carro da FIAT se, além de assistirem os comerciais, virem seu vizinho desfilando com o novo modelo. No mercado, essa é a importância vital dos “early adopters”, pessoas que se apressam em consumir tudo o que é novidade e funcionam como difusores dos novos hábitos.

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